domingo, 5 de abril de 2009

"Falta pouco para quase ou quase para pouco?"

Este fim de semana estive a trabalhar como hospedeira num congresso e acabei à conversa com um jornalista que, por duas vezes, disse esta frase fantástica:
"Falta pouco para quase ou quase para pouco?"


Claro que não seria eu, se não tivesse ficado a matutar naquilo que o homem disse.

Hoje de manhã pensava e relembrava que a vida é feita de decisões e mais decisões e mais estradas bifurcadas que nos poderão e... levarão, com toda a certeza, a mais bifurcações incertas!


E cá estou eu, mais uma vez, a chegar à bifurcação. Quase! Mas ainda não. E o mais engraçado é que já sei que vou passar por ela e nem sei se darei conta da escolha, a não ser depois de a passar.
Se calhar.... se calhar nem passei por nenhuma ainda! Meti-me por atalhos!!
E entretanto fica, entre outras perguntas:

- Será que esta próxima escolha me vai levar a algum lado ou apenas a mais uma escolha?


- Será que todas estas escolhas me aparecem porque tomo sempre o caminho errado?


- Será que estes caminhos que tenho percorrido são mesmo necessários? Afinal eu tenho evoluido com eles...


- Será que falta pouco para quase ou quase para pouco?

domingo, 22 de março de 2009

Pensamentos soltos...


Às vezes dou comigo a olhar o nada a tentar descortinar episódios do meu passado.

"São os maus momentos que nos obrigam a crescer" - é o que se costuma ouvir. Mas para uma criança que ainda não conhece o significado de muitas palavras, os maus momentos podem ser o início de muitos bloqueios, mágoas e tristezas prolongadas até muito tarde.

Existem muitas coisas que, ao contá-las, parece que atenuam. As palavras parecem tornar-se mais suaves. Mas a lembrança das expressões, dos olhares, dos gestos, do tom das vozes... das insinuações... doem tanto! Porque é que ainda doem tanto? Por vezes tenho a sensação que acordo com elas tão presentes, que parece que ainda estou a viver esses momentos. Sinto-me presa no tempo! A revolta cresce e a vontade de gritar continua lá... afogada, presa e contida naquela menina sardenta, cobarde e incapaz.

É assim que ainda me sinto hoje: cobarde e incapaz!

Imaginem um móvel com muitas gavetas, onde durante muito tempo foram arrumando, de forma desorganizada, tudo o que encontravam espalhado pelo chão do quarto. O quarto parece arrumado certo? Parece arrumado porque está tudo escondido dentro daquelas frágeis gavetas que, ao primeiro toque explodem!
Pois é! Eu toquei nas minhas gavetas. E estão a explodir tudo neste momento! Se calhar o melhor a fazer agora é tentar organizar as coisas e arrumá-las de forma a que as gavetas não voltem a explodir.

Até lá... por favor... deixem-me sozinha a arrumar o quarto! Preciso deste espaço e deste tempo para mim!

Cap.I - Algures num tempo qualquer lá atrás...

Sebica!
– Não sou nada!
– És sebica sim senhora!
– Não sou! E tu o que és?
Sebica! Sebica! Sebica! – E riam à gargalhada, enquanto fugia a menina, com ar de bebé chorão, para debaixo das saias de algum adulto... de preferência a mãe.

Tempos difíceis aqueles na primária. Excelente aluna, menina da professora e filha da auxiliar. Era difícil passar despercebida e, principalmente… arranjar amigos!
Quando acabavam as aulas ficava na escola a ajudar nas limpezas.
– Trabalho de menino é pouco, mas quem o perde é louco! – Dizia a mãe, enquanto varria as salas e lhe dava um balde com água e sabão para a ajudar.
A tarefa, então? Cinco quadros de giz pretos, já velhos e gastos dos anos que por eles passavam sem dó nem piedade. Dois em cada sala e mais um pequeno reservado aos mais “preguiçosos” da turma. Os maiores pareciam de fórmica, eram fáceis de lavar, mas mesmo assim tinha que passar o pano duas vezes para não deixar ficar marcas quando secasse. O mais pequeno… bem… era o mais velho e o que, também, ainda tem muitas histórias por contar. O pano não deslizava e tinha que o deixar mais encharcado, chegando a passar três vezes. A parte mais divertida vinha a seguir: sacudir os apagadores! Sim, porque não se podem lavar com água, senão o giz cola e no dia seguinte, em vez de apagar, borra o quadro todo.

Devia ser um momento engraçado de se ver: menina de 7 anos, com tamanho avançado para a sua idade, olhos verdes, cabelos castanhos muito lisos e muitas sardas espalhadas pela face branca, esticada em cima de uma cadeira a tentar poupar o trabalho de a arrastar mais uma vez.
Então lá ia ela a correr escada a baixo com os apagadores a caírem-lhe das mãos, com uma energia frenética de quem sabe que o dia ainda não acabou. “Se calhar ainda dá tempo de ir brincar um bocadinho antes de ir embora”, pensava.
Chegava à rua e batia com eles contra a pedra para sacudir o pó de várias cores, consoante as cores que a professora tinha usado durante o dia nas aulas. Às vezes desenhava flores, na pedra, com o pó que caía dos apagadores. Outras vezes, imaginava que aquela pedra eram os meninos da escola, que a tratavam mal e, então, batia-lhes com toda a força até já não haver pó para cair.

– Já posso ir brincar?
– Os quadros estão lavados?
– Já, sim senhora.
– Os apagadores bem sacudidos?
– Sacudidos e já no seu lugar.
– O balde e o pano limpos no seu lugar?
– Sim… Posso?
– Agora vai fazer os trabalhos que a professora mandou!
– Mas eu tenho tempo mais…
– Vai fazer os trabalhos!

Era impossível dizer que não havia trabalhos de casa. Afinal, professora e auxiliar davam-se bem. E tentar enganar a mãe não uma coisa muito fácil ou bonita de se fazer!
Começava pela tabuada: escrevê-la vezes sem conta até a saber de cor. Enquanto ia fazendo as contas, ia pensando “se me despachar dá tempo… se me despachar dá tempo… se me despachar…”
– Que horas são? – perguntava ela à mãe tentando disfarçar na voz a vontade de fugir para a rua.
– Já acabaste?
– Já acabei as contas.
– E ditado hoje, não há?
– É este. – Respondia ela, esticando o livro de português em direcção à mãe, com um ar já cansado de quem, mais uma vez, perdera a corrida contra o tempo.
– Quantas vezes é cada palavra errada? – Perguntava a mãe enquanto se sentava a seu lado e, com ar sério, corrigia a matemática.
– 6…
– Então despacha-te que ainda dá tempo até as quatro horas! Já viste? Assim já ficas com tudo pronto e, quando a gente chegar a casa, já podes ir brincar.
“Pois… sozinha…” – pensava para si com um ar derrotado.

E agora perguntas à menina: porque querias ir lá para fora brincar com os meninos que te tratam mal?
À qual ela te responde: “porque quero ser igual a eles!”